Poema de processo / 1
Wlademir Dias-Pino [1967]
I
Quem chamar alguém de poeta processualista é idiota.A
primeira coisa que deve ficar bem clara é que não existe poesia de
processo. O que há é poema de processo, porque o que é produto é o
poema. Quem encerra ou não um processo é o poema. O movimento ou a
participação é que leva a estrutura (matriz) à condição de processo. O
processo do poeta é individualista e o que interessa, coletivamente, é
o processo do poema. Assim como o poema de processo quando “desemboca”
na língua, torna-se figurativo; o discursivo simboliza em vez de
relacionar – Exemplo:
escrever a palavra circular formando um círculo. Ou, a palavra cinco
constar de cinco letras. A língua sempre exige da linguagem (processo)
a redundância do ato de conferir: figuração em vez de estrutura visual.Bem,
isto aqui não é nenhuma escola literária. Com isto, quero dizer que
aqui não há papa. Outro idiota é quem encontrar líder entre nós. Somos
uma equipe. O que existe são poemas, são poemas que funcionam ou não em
substituição ao julgamento contemplativo e alienado do bom/ruim.II
Quem vê a nossa revista e olha a exposição vai notar a grande diferença entre os poemas. Trata-se de uma comercialização física:
a) Revista; poemas próprios para serem impressos.
poemas reprodutíveis: de grande carga gráfica, inaugurando um rigor próprio.
embora não acreditando na eternidade do pensamento, impressos, pretendem uma duração de tempo maior do que os objetos poemas.
visualização da estrutura/movimento: expressão do material usado
conservados em livros ou caixas bibliotecas
maior facilidade de exportação (os cadernos soltos:
finalidade de facilitar a anexação de novos materiais e formas de poemas ao corpo da revista.
finalidade de mostrar, individualmente, a unidade de pensamento e soluções de cada autor
a
constância de unidades de soluções em substituição ao estilo. Surge o
problema-livro, com o desencadeamento das séries de soluções).
b) Exposição:
poemas tridimensionais para serem usados e gastos como objetos.
a resistência do material passa a ser expressão diante da visualização funcional.
sua auto-destruição: consumo
sua auto-superação: habilidade das constâncias de uso
o aperfeiçoamento
o didático
a procura de contato com o povo tem um caráter didático. Educação de homem da rua para com a máquina eixo: importância da forma
processo: movimento da estrutura novo humanismo (funcional) para as massas
o socializante da quantidade
só a técnica cria uma linguagem (e não língua) universal. Antilínguas artificial, sujeita à pressão de grupos econômicos
aberta, ligada à diversidade dos meios de comunicação
III
Existe
o poema-objeto dos dadaístas. Os nossos, são objetos-poemas. É a
diferença entre poema-livro e livro-poema. O inferno de Dante é um
poema-livro. A condição de poesia-poema (um longo poema) é que impôs um
todo ao livro, no caso de Dante. Já no livro-poema é a expressão do
próprio material usado no livro: a paginação, a página em branco, as
permutações de folhas, o ato de virar as páginas, a transparência do
papel, o corte, os cantos etc.
visualização da funcionalidade, ou processo do poema.
IV
Existe a antiarte na mesma razão que a máquina recusa a aplicação de arte sobre suas formas.
V
Poema: Instrumento de luta:
modernismo: poema-piada – brevidade da ironia (mineira)
hoje: objeto-poema: o lúdico transformado em didático consumo popular.
VI
Doutrinação:modernismo: catequese antropofágica: lutas corporais, vaias
concretismo: pensamento sincrônico/diacrônico: Mallarmé, Ezra Pound
revisões: Souzândrade, Oswald de Andrade
traduções (ato de recriar): Joyce, Maiacóvski
poemas
processo: quase sempre transformando em livro, isto é, em livro-poema,
que vai educando a leitura até atingir o último estágio-poema, como um
antiprefácio.
foi o livro-poema que abriu possibilidades ao objeto-poema.
Preocupado
com a meta de exportação, o concretismo, no País, fez apenas uma
exposição (Rio/São Paulo – lançamento) durante onze anos. Daí a
necessidade dessa exposição.
VII
A codificação no poema-processo:a) volume das palavras inteiras (pensamento cardinal)
b) estatística das letras e sua ligação
a geometria tem sido empregada:
a) legibilidade direta
b) a forte tendência emblemática (leitura global)
fusão de formas até mesmo sobrepostas
Assim,
a codificação tem partido do emblemático de uma forma geométrica para a
função ordinal e narrativa do alfabeto. Então, o poema em código não é
apenas uma codificação, mas a “codificação da codificação:
meta-codificação.
Os caracteres são desenhos. O código ainda não
atingiu a diversidade de técnicas do desenho dos caracteres. A
codificação já está desligada do sentimento estético do desenho dos
caracteres.
os poemas em código estão dentro do sentido serial que
mostra a diferença entre estilo (estratégia de soluções) e redundância
(constância de formas).
no poema-código não é como no ideograma,
que a união de duas palavras produz uma terceira em estado poético, mas
sobreposições de formas móveis, revelando uma série estatística de
probabilidades de formas. os poemas semióticos são uma parcela do poema
de processo: sua codificação impõe o sentido de matriz ao poema e seu
desencadeamento a criação de séries
a matriz cria as possibilidades de consumo e as séries a participação, a opção, o processo.
a
matriz é a estrutura imóvel e o processo é a combinação das séries. a
matriz cria a lógica, o consumo. Como a geladeira cria, pelo consumo,
uma lógica (de uso) independente do nível cultural do consumidor. o
consumo imediato dos aparelhos elétricos. A popularização do consumo. A
manifestação serial e industrial da civilização técnica de hoje. O
cinema veio visualizar o ato e o movimento.
O poema de processo é a conscientização e a responsabilidade do ato do espectador/consumidor.
o ato consumidor como oposição ao ato artesanal.
Antes, o homem construía com as mãos; hoje a máquina leva o homem a manipular como fazer tátil, aquilo que ela produz.
Essa é a ligação entre o reprodutível e a participação do consumidor.
A
quantidade do consumo obriga o poeta produzir o reprodutível, como a
máquina obriga à simplificação racional, à expressão direta, ao
acabamento preciso do serial.
VIII
O
poema processo é um salto. A etapa natural seria o poeta criar
escrevendo e o crítico paginar o poema: influência da imprensa diária
(o poema solto na página do jornal cheia de soluções visuais dos
diversos anúncios arquitetados por equipes durante meses). A crítica
funcional da interpretação pela reorganização: a surpresa ótica, o fim
da metafísica. É a produção em massa: a “democratização da poesia”.
Longe da perfeição rara do único, mas o reprodutível, longe do
giocondismo dos museus. (O poema tempo sem princípio nem fim: as
direções matemáticas das leituras).
Da imagem diária, do
super-visual de milhares de TVs (a todos os segundos) virando letras;
ajuntamento mutável, pela ação do homem (opção), códigos ou signos, em
lugar da imagem literária: a re-utilização do já feito, do despido de
preconceito cultural; ou a utilização de novos materiais
Posições
múltiplas: realidade viva. Das letras luz substituindo a letra som. A
grande opção da eletricidade, ligada ou não: contato. A grande opção da
máquina: positivação ou negação do espaço; a grande opção (a vivência
do fazer) dos botões de controle dum foguete, o ato de virar a página
ou a mensagem direta: valorização global, a poética da publicidade. A
marca industrial como novos alfabetos; a estatística da repetição (novo
sentido de duração).
Longe do artesanal reformulando a natureza,
ma a arte da segunda revolução industrial da máquina que produz a
máquina; do desenho industrial do botão exato do liquidificador e a
fome do nordestino: A forma, a geométrica de suas forças; a revolução
pelo formal, pelo racional. A simplicidade matemática, longe do comício
e do drama psicológico da eloqüência demagógica.
Caderno de cultura. Jornal O Sol. 9 de novembro de 1967.
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